60 anos do golpe no Brasil e as ditaduras no Cone Sul
Gustavo Menon*
O Brasil completa 60 anos de um dos momentos mais terríveis de sua história. A ditadura militar, iniciada em 1964, foi marcada, sobretudo, por cerceamento de direitos, violência e autoritarismo. O violento golpe liderado pelas Forças Armadas brasileiras, aliado às grandes potências imperialistas e às frações das classes dominantes internas, espalhou-se pela região. Sob o contexto da Guerra Fria, a América Latina e o Caribe tornaram-se palco de arbitrariedades lideradas por setores golpistas, muitas delas protagonizadas por militares dentro do contexto da doutrina de segurança nacional.
As ditaduras militares no Cone Sul iniciaram-se no Paraguai (1954) e, rapidamente, se espalharam pela região, chegando ao Brasil, à Argentina, ao Chile e ao Uruguai durante as décadas de 1960 e 1970. Como fator em comum, esses governos impuseram a militarização do Estado, com as Forças Armadas assumindo um papel relevante na condução do processo político. Por meio de violenta repressão às forças populares e às instituições democráticas, esses regimes, sob o clima da Guerra Fria no mundo bipolar, estabeleceram alianças estratégicas e programáticas com os Estados Unidos na luta contra os setores progressistas.
Inúmeras manifestações sociais foram silenciadas: sindicatos, intelectuais, partidos e até artistas que se opunham aos governos militares. Ainda há muito a ser explicado sobre a Operação Condor em nosso continente e os reflexos desse período de terrorismo de Estado na conjuntura atual, marcada por um cenário de múltiplas crises e ameaças à limitada e frágil democracia brasileira, como apontado por Florestan Fernandes.
É importante recordar que o ciclo de ditaduras militares na região — além de resultar em mortes, tortura e violações dos direitos humanos — acentuou as desigualdades e potencializou o problema da dependência e do subdesenvolvimento: enormes dívidas internacionais foram contraídas com credores globais e o chamado “milagre econômico” foi fonte para acentuação das assimetrias domésticas. Entre 1954 e 1976, praticamente todo o subcontinente mergulhou em regimes militares, promovendo a configuração de Estados de Exceção para favorecer os interesses internacionais, especialmente dos Estados Unidos.
Com o objetivo de promover a hegemonia do capital internacional, por meio da repressão aos trabalhadores e às trabalhadoras, foram deflagradas execuções sumárias e a restrição de direitos fundamentais. E as feridas das políticas do ciclo de ditaduras militares na América Latina ecoam até hoje. Na Argentina, por exemplo, em meio a um forte sentimento negacionista, nega-se a existência de milhares de desaparecidos.
No caso brasileiro, por sua vez, os crimes cometidos pela ditadura, em quase sua totalidade, permanecem impunes. Apesar do trabalho da Comissão Nacional da Verdade (CNV), e na guarda da Lei da Anistia, os responsáveis pelos delitos não foram levados à Justiça — tanto as altas patentes das Forças Armadas quanto as empresas que lucraram, apoiaram e sustentaram tais regimes de terror. Atualmente, depois de cancelar atos críticos à ditadura, o governo federal, em nome de uma suposta governabilidade, também desistiu da construção do Museu da Memória e dos Direitos Humanos.
Sessenta anos após o golpe de 1964, é importante ressaltar que o Brasil foi um dos últimos países latino-americanos a estabelecer a Comissão da Verdade. Mesmo a iniciativa sendo boicotada por muitos setores reacionários da sociedade brasileira, os movimentos sociais se esforçam para cumprir o objetivo de recuperar parte da memória do país e investigar as violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado entre 1946 e 1988.
Em todo o mundo, vários países adotaram iniciativas para resgatar a história e, em alguns casos, identificar, processar e punir os responsáveis. Neste ano, é crucial destacar a importância da tríade verdade, justiça e reparação no Brasil. Enfatizar a questão das lutas e resistências e salientar o papel autoritário do Estado durante a ditadura empresarial-militar brasileira é responsabilidade de todos que compartilham o compromisso com uma sociedade justa, democrática e livre. Que 1964 nunca mais se repita! Nunca mais!
*Coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB) e professor no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina na Universidade de São Paulo (Prolam-USP)
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