Ciclo de exclusão: jovens saem da escola para trabalhar em subempregos
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O trabalho é a principal razão para jovens brasileiros abandonarem os estudos — é o que demonstra pesquisa da Fundação Roberto Marinho e Itaú Educação e Trabalho, em colaboração técnica com o Instituto Datafolha, lançada durante o seminário “Juventudes fora da escola”, no início deste mês, em São Paulo.
O levantamento ouviu mais de 1,6 mil jovens, na faixa etária de 15 a 29 anos, em todo o território nacional, e concluiu que, dos 9 milhões que abandonaram o ensino básico no país, 73% têm intenção de voltar para a sala de aula, mas encontram na necessidade de trabalhar para ajudar a família a principal barreira para isso.
Isso porque a maioria dos estudantes que evadiram da escola vem de famílias com renda per capita de até 1 salário-mínimo, a maior parte é homem e sete em cada 10 são negros. Mas nem todos conseguem a oportunidade que estão buscando. Quase 10,7 milhões de jovens não estudam e não trabalham — os chamados nem-nem são 22% do total de brasileiros nessa faixa etária.
A taxa de ocupação entre jovens que não têm educação básica é de 37%. Com o ensino médio completo, ela sobe para 64%, e com o ensino técnico chega a 75%, patamar próximo ao de profissionais graduados, que é de 82%.
Aqueles que conseguem, uma vez no mercado, tendem a encontrar condições precárias de trabalho. Quase 65% estão ocupados na informalidade, a maior parte em serviços elementares, ou seja, postos com menor exigência de qualificação e, consequentemente, menores salários. Quem está no início da carreira e não concluiu o ensino médio recebe, em média, R$ 1.200, enquanto egressos do ensino superior ganham a partir de R$ 3.300.
“O futuro desses jovens será muito prejudicado por causa do abandono dos estudos, dificilmente evoluirão para empregos dignos. E isso também é ruim para o país. A estimativa é de que 500 mil jovens brasileiros vão chegar à vida adulta sem completar o ensino básico, por ano, e, com isso, o país perde 3,3% do seu PIB”, explica Rosalina Soares, assessora de pesquisa e avaliação da Fundação Roberto Marinho.
O estudo destaca que esse percurso de exclusão tem cor, endereço e condição. A evasão da educação formal, o subemprego e a dificuldade de se capacitar são maiores para as juventudes negras, indígenas, do campo e com deficiência. “Estes são dados alarmantes e que estão relacionados com um ciclo de pobreza. A gente observa que essa realidade afeta muito mais os grupos já vulneráveis”, afirma Rosalina.
A boa notícia é que o mesmo fator que causa o problema pode ser a chave para sua resolução. A pesquisa constatou que o motivo que traria esses jovens de volta à escola é a possibilidade de conseguir melhores empregos no futuro.
Os pesquisados disseram que conseguiriam continuar os estudos caso contassem, entre outras políticas de apoio, com flexibilidade de horários no trabalho, a oferta de vagas em creches — pois muitos são pais e mães —, e um currículo mais alinhado ao mercado de trabalho atual, que os prepare para postos mais qualificados, mas também para ingressar no ensino superior.
“O trabalho é a razão do jovem sair e voltar para a escola”, diz Ana Enoue, do Itaú Educação e Trabalho
“A pesquisa mostra que o trabalho está no centro do interesse do jovem, é a razão dele sair e de querer voltar para a escola. A gente vem de uma tradição que dissocia o trabalho do estudo, mas ajudar o jovem a se aproximar do mundo do trabalho e se formar para isso, é muito positivo”, defende Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.
Lançado nesta semana pelo presidente Lula, o Plano Juventude Negra Viva prevê investimentos de mais de R$ 665 milhões nos próximos anos em ações transversais para a redução das vulnerabilidades sociais que afetam essa população, incluindo o desemprego. Entre os destaques da política está a criação do Pronasci Juventude, com bolsas de R$ 500 por mês para jovens negros em cursos de capacitação profissional nos institutos federais.
Ana Lúcia Alencastro, coordenadora geral de articulação e normas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) diz que a pasta também tem desenvolvido propostas voltadas às parcelas mais vulnerabilizadas do público jovem. “A principal política para inclusão profissional de jovens do MTE é a aprendizagem. Na administração direta, queremos adaptar os programas para dar prioridade para os aprendizes que não vão ser absorvidos pela iniciativa privada, como egressos do sistema socioeducativo”, declara.
Segundo ela, programas de aprendizagem são a forma ideal de entrada no mercado de trabalho para jovens que precisam conciliar escola e emprego porque a contratação acontece formalmente, por meio da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), que garante horário reduzido para estudantes.
Emily Gabriele da Silva, 18 anos, foi alvo dessa política, na hora certa. Moradora do Riacho Fundo 2, precisou começar a trabalhar durante o ensino médio para ajudar os pais com as despesas de casa. Encontrou uma oportunidade como jovem aprendiz na área administrativa de um colégio particular.
A jornada de trabalho reduzida, adaptada aos estudos, foi crucial para que ela conseguisse terminar a educação básica e se preparar para o vestibular. Neste ano, Emily vai começar a cursar pedagogia na Universidade de Brasília.
“Agora, no primeiro semestre da faculdade, minha grade veio muito bagunçada. Terça e quinta, eu vou passar o dia todinho na universidade e também sexta pela manhã. Só que meu trabalho deixou eu continuar do mesmo jeito, então eu vou conseguir manter os dois”, conta a estudante.
Emily ainda faz cursos para desenvolvimento de habilidades básicas de trabalho no Ciee. “Não vou parar de estudar”, diz
O programa de aprendizagem, intermediado pelo Centro de Integração Empresa Escola (Ciee), prevê também um dia de capacitação profissional por semana, quando Emily tem cursos sobre processos administrativos, oratória e outras habilidades básicas para o mercado de trabalho.
A garota vai precisar continuar trabalhando durante toda a graduação, mas consegue vislumbrar um futuro que inclui a formatura, e muito mais: “depois que eu terminar a pedagogia, eu ainda quero fazer serviço social ou psicologia”, sonha.
Para aumentar as chances de jovens como Emily se inserirem no mercado de trabalho sem deixarem de estudar, Ana Lúcia afirmou que o MTE pretende fortalecer o Pacto Nacional pela Inclusão Produtiva das Juventudes, iniciativa lançada em dezembro do ano passado que visa reunir setor privado e governos na promoção da empregabilidade deste grupo, por meio da criação de seu comitê gestor.
“O aumento da contratação de jovens aprendizes faz frente a alguns desafios das próprias empresas, como a alta rotatividade e a baixa retenção. Essa é a convocação que o Pacto Global tem feito para as empresas: construir uma agenda para promoção do trabalho decente que envolva soluções para que eles possam trabalhar e, ao mesmo tempo, concluir os ensinos médio e superior”, diz Gabriela Rozman, gerente de conhecimento e parcerias do Pacto Global, programa das Nações Unidas (ONU) que abarca o pacto brasileiro.
Na visão de João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, empregadores podem ter, ainda, outro papel crucial para formação de seus quadros: o de busca escolar ativa de funcionários que evadiram da escola.
Ronald Sorriso, secretário nacional de Juventude: jovens não são um problema social, mas a solução
“O jovem que foi analisado nessas pesquisas, não é o problema social. O fato dele estar inserido nos indicadores demonstra que há problemas sociais que o levam a essa condição. O jovem é, portanto, a solução de uma série de problemas que nós enfrentamos no nosso país. Investir no jovem, na sua capacidade laborativa, mas sobretudo na sua capacidade formulativa, na sua educação, em especial do jovem pobre de periferia, é a resposta para o Brasil”, resume Ronald Sorriso, secretário nacional de Juventude.
A repórter viajou a convite do Itaú Educação e Trabalho.