Oi: Depósitos judiciais de R$ 6,3 bilhões “somem” da Oi e empresa é acusada de descontrole
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Um novo movimento da Oi chamou a atenção de quem acompanha a conturbada recuperação judicial da companhia. Ao informar que adiaria a divulgação de seu balanço referente a 2017, a empresa anunciou uma “baixa contábil” de R$ 6,3 bilhões em seus ativos, em valores contabilizados como depósitos judiciais. Trocando em miúdos: a operadora divulgava ter R$ 15 bilhões em depósitos, mas agora diz ter notado que são apenas R$ 8,7 bilhões.
O volume que subitamente evaporou do balanço e a falta de explicações para a ginástica contábil são vistos por parte dos acionistas como uma prova do descontrole e da falta de transparência da Oi. A briga interna, que já envolve acusações de desvios e fraudes, ganha, agora, um novo capítulo. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que é difícil simplesmente perder de vista valores tão vultosos, que são controlados pela área jurídica.
Questionada, a Oi não respondeu se o erro está somente no último balanço ou se é algo que vem se perpetuando nos últimos anos e somente foi notado agora. A empresa também não diz se os valores contabilizados erroneamente nunca foram creditados nas contas de depósitos judiciais ou se foram sacados sem que isso constasse das demonstrações contábeis. Fontes próximas da diretoria da companhia dizem que o caso está sendo tratado internamente como erro, não como fraude, de responsáveis pela área jurídica.
Já o advogado André de Almeida, representante da Associação dos Acionistas Minoritários (Aidimin), diz que a atual gestão “intoxicou” a companhia e que as fraudes “caracterizam verdadeiro modus operandi da administração que, evidentemente, deve ser responsabilizada por seus crimes”.
Queda brusca
Os valores que caíram quase pela metade (o novo balanço será divulgado neste dia 12) contam como ativos da companhia e vinham seguindo uma ascendente regular nos últimos anos. Agora, devem ir para um patamar inferior ao que a operadora dizia ter há cinco anos. Veja gráfico abaixo:
Documento circulado pela empresa diz que só foi possível notar que os mais de R$ 6 bilhões não estavam mais lá por conta do avanço do processo judicial eletrônico, que facilitou a pesquisa de ações nos tribunais, e porque após entrar em recuperação judicial, a Oi conseguiu melhorar o contato dela com os bancos, que passaram a fornecer mais informações sobre as contas de depósitos judiciais. Ou seja: repentinamente, a maior operadora de telecomunicações do país descobriu a tecnologia bancária.
A Oi informa também que o impacto negativo no patrimônio líquido da companhia decorrente destes ajustes será revertido ainda em 2018, por conta de outros ajustes igualmente ligados à recuperação.
Movimentações controladas
Os depósitos em questão são feitos por ordem judicial em processos nos quais a empresa discute a obrigação de fazer um pagamento ou de recolher um tributo. Se o juiz da causa exigir que o depósito seja realizado, para garantir o pagamento ao fim da ação, o dinheiro é colocado em uma conta aberta especificamente para aquele processo, sempre em bancos públicos.
Pela Lei Complementar 151/2015, toda movimentação em contas de depósitos judiciais deve ser feita por meio de ordem judicial ou administrativa. Logo, a empresa é obrigatoriamente notificada, pois as decisões se dão em processos nos quais ela é parte e são publicadas na imprensa oficial. E a notificação inclui seus representantes legais, o que é um detalhe importante, já que a Oi terceiriza sua defesa para centenas de escritórios em todo o Brasil.
O advogado tributarista Igor Mauler Santiago não comenta o caso da tele, mas explica como funciona a atuação de escritórios terceirizados nos casos de ações com depósitos judiciais: “Como só se levanta valores dessas contas mediante decisão, o advogado da causa em questão informa ao cliente sobre qualquer movimentação na conta. Mas a contabilização disso costuma ficar a cargo da própria empresa, que, normalmente, incumbe profissionais do seu próprio departamento jurídico de sacar os valores quando é vitoriosa no processo”.
Um juiz de São Paulo diz estranhar que uma empresa em recuperação judicial “de repente” note que R$ 6 bilhões não estão mais em suas contas. Isso porque todas as decisões que levem a companhia a fazer pagamentos devem passar pelo juízo da recuperação, pois há uma fila de credores a ser obedecida, conforme o plano de recuperação. Ele explica que há apenas um problema que costuma ocorrer nesse sentido: alguns juízes trabalhistas determinam o levantamento de valores em casos diretamente pelo credor ao fim da ação. Sem levar a questão ao juiz responsável pela recuperação. No entanto, diz ele, isso acontece apenas em alguns casos isolados.
Furos em provisões
A significativa quantia em questão no caso da Oi torna improvável a hipótese de os valores terem sido sacados das contas por causa de condenações recentes, sem o conhecimento do juízo da recuperação da companhia. Ainda que a empresa perdesse todos os processos que previa perder em 2017 e os respectivos valores dessas ações fossem sacados de contas de depósito judicial, a matemática não fecharia.
Ao fazer seu provisionamento para 2017, a companhia publicou que a soma de todas as ações em que é parte e cuja perda seria provável daria R$ 4,8 bilhões. Isso incluindo processos civis, tributários e trabalhistas. A quantia é semelhante ao que foi reservado para, em 2016, pagar por ações cuja perda era provável, na visão da empresa: R$ 4,4 bilhões.
O professor de ciências contábeis Saulo Armos, da Faculdade Brasileira de Tributos e sócio da consultoria Mirar Gestão Empresarial, diz estranhar a alegação de que haja uma dificuldade em contabilizar os depósitos judiciais em balanço. Isso porque é uma operação simples: os depósitos para ações cuja previsão é de demorarem a terminar são contabilizados como ativo não circulante da empresa.
Os depósitos para ações cuja perda é classificada como provável, entram no balanço como ativo circulante. “Uma vez que o processo é perdido, basta anular o passivo da ação com o ativo do depósito”, explica.
“O depósito em juízo é lançado como ativo por ser um direito, e, de acordo com a avaliação dos advogados da empresa sobre a possibilidade de perder a ação, um valor relacionado o processo é colocado no balanço como despesa. Na condenação, ambos se anulam”, simplifica o professor.
Um dos problemas no sistema de provisionamento utilizado nos balanços, diz o advogado Walfrido Warde, é que ele é feito unicamente com base no que dizem os advogados da empresa. Logo, eles estariam comprometidos em fechar as contas da companhia, e não com os acionistas ou a população, que deveriam ser os principais beneficiados pela divulgação dos balanços das companhias abertas.
Função de zelar
As auditorias KPMG e BDO, responsáveis por auditar os balanços da Oi nos últimos anos, alegaram ter compromisso de confidencialidade com o cliente para não responder se já haviam notado problemas nas contas relativas a depósitos judiciais ou se enxergam, no modelo brasileiro, uma real dificuldade de se inteirar sobre tais valores.
Segundo a Comissão de Valores Mobiliárias (CVM), o papel do auditor é proteger os investidores, “na medida que a sua função é zelar pela fidedignidade e confiabilidade das demonstrações contábeis da entidade auditada”.
E de acordo com a norma técnica do Conselho Federal de Contabilidade que regula a atividade, o professional que faz auditoria é responsável por obter segurança razoável de que as demonstrações contábeis, como um todo, não contêm distorções relevantes, causadas por fraude ou erro.
Sensação de insegurança
A divulgação sobre a mudança na contabilidade e o impacto de R$ 6,3 bilhões, no entanto, não afetou de imediato os investidores de forma geral. No dia seguinte ao anúncio da informação, as ações da empresa subiram 6%, indo de R$ 3,70 para R$ 3,94. No começo de abril, já haviam voltado para R$ 3,81.
Em comunicado para investidores o banco BTG Pactual e o Itaú BBA afirmavam que o adiamento da divulgação de resultados e a mudança em R$ 6,3 bilhões nas contas de depósitos judiciais não impactariam negativamente as ações da empresa.
Já os acionistas minoritários da Oi, reunidos na Aidimin, apontam em sentido contrário. Segundo o advogado André de Almeida o adiamento da divulgação das demonstrações financeiras e a necessidade de ajustes bilionários denota “que a companhia não está sendo corretamente administrada, gerando dúvidas justificadas quanto a veracidade e correção das informações divulgadas ao mercado”.
Segundo ele, a recuperação judicial da companhia depende de os credores terem confiança que a administração da empresa está seguindo pelo caminho acordado. No entanto, a mudança repentina de valores tão vultosos relativos a depósitos judiciais mostraria, diz Almeida, que não há possibilidade dos investidores efetivarem qualquer controle sobre o que ocorre na empresa.
“O descontrole, a falta de transparência e a ausência de acesso a informações fidedignas, considerados em conjunto com as irregularidades já descobertas e a resistência de investigação por parte da administração justificam suspeitas de toda a sorte que, infelizmente, vem sendo comprovadas a cada dia que passa”, afirma o advogado.
A Oi, por meio de nota, diz repudiar os “levianos e sem fundamentos, que não passam de denúncias vazias lançadas irresponsavelmente e de forma recorrente contra a companhia, sua diretoria e mesmo outras pessoas a ela relacionadas”.
A companhia reitera que a mudança no cálculo dos depósitos judiciais não causa impacto no caixa nem no seu Ebitda de rotina, “assim como não há reflexos no plano de RJ [recuperação judicial] nem nos fluxos financeiros utilizados para avaliação da companhia e de suas subsidiárias em recuperação judicial”.
Fonte: Monitor do Mercado/Conjur