‘Se pudesse voltar no tempo teria feito tudo diferente’ diz jovem que viu a irmã ser presa, por engano, em seu lugar
Após passar cinco anos atrás das grades, acusada de participar de dois assaltos a lojas de telefonia celular, a auxiliar de serviços gerais Daniela Silva Estevão, de 27, ganhou a liberdade condicional e saiu da prisão, no último dia 4. Nesta quinta-feira, ela reencontrou a irmã, a esteticista e bargirl Danielle Estevão Fortes, de 32. Esta última vive atualmente em São Paulo, e venceu uma distância de cerca de 400 quilômetros, que separa a capital paulista do Rio, só para abraçar Daniela. Em 2019, a esteticista ficou presa por 11 dias, mesmo sem cometer crime algum, após a polícia usar em um reconhecimento a foto de Danielle como se fosse Daniela. A auxiliar de serviços gerais explicou que o medo da prisão e uma orientação jurídica, recebida na época por ela, acabaram fazendo que não se apresentasse às autoridades.
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Danielle e Daniela nasceram de uma família de 11 irmãos, que vive em Mauá, no município de Magé, na Baixada Fluminense. Apesar da diferença de idade, as duas são parecidas fisicamente e muito apegadas. Daniela foi detida pela polícia em Rio das Ostras, na Região dos Lagos, no dia 27 de junho de 2019, após investigadores receberem uma denúncia anônima dando conta da sua localização. A esta altura Danielle, que havia sido presa no dia 7 do mesmo mês e ano, após prestar depoimento na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) sobre o assassinato de um irmão, morto ao sofrer um assalto, já havia deixado a cadeia, após a Justiça reconhecer o erro. Desfeito o engano, ela deveria ter saído da prisão ainda no dia 17, mas veio mais uma confusão. Na ocasião, no alvará de soltura da bargirl constava o nome de Danielle Esteves identificada erroneamente assim, também no início do processo. Por conta do problema, que precisou de mais 24 horas para ser corrigido, a esteticista só conseguiu deixar a prisão no dia 18, após o erro ser consertado. Durante este tempo, Daniela não se apresentou à Justiça, e alegou ter agido desta maneira por conta de uma orientação que recebeu. Mesmo assim, acabou sendo presa oito dias depois, na Região dos Lagos ,para onde havia fugido.
Danielle: ‘Se pudesse voltar no tempo teria feito tudo diferente’ — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
— Eu soube que ela foi presa (por conta de um mandado de prisão do roubo quando foi depor). Da mesma forma que eu queria me entregar, fiquei com medo do que podia acontecer. Sabia que ela iria sair porque minha irmã não fez nada. Aquilo (a prisão da irmã) me fez sofrer. Era meu sangue ali. Minha irmã foi presa no meu lugar. Na época, fiz contato com um advogado. Ele me falou para eu não me entregar porque não tinha nada no meu nome (no processo inicial). A Justiça estava com o nome da Danielle, mas o nome dela (com sobrenome) errado. Ou seja, não era nem o meu nome e nem o dela. Acabei não me entregando pela orientação recebida e também porque fiquei com muito medo. Fui muito julgada. Todo mundo achando que coloquei minha irmã na cadeia. Na verdade, eles (policiais) pegaram a pessoa errada — disse a auxiliar de serviços gerais, que logo após entrar no cárcere, escreveu uma carta pedindo perdão a irmã pelo sofrimento causado a ela.
Após ler a correspondência, Danielle Estevão Fortes disse, ao ser entrevistada, que perdoava a irmã a quem continuava amando. Mas que queria que ela pagasse pelos crimes. E foi exatamente o que aconteceu. Daniela foi julgada e condenada por dois assaltos. As penas somadas chegaram a 18 anos . A defesa da auxiliar de serviços gerais recorreu da decisão e conseguiu reduzir a penalidade imposta em um dos processos. Assim, o tempo total de prisão passou a ser de 15 anos e três meses. No dia 8 de março último, a auxiliar de serviços gerais recebeu uma comutação da pena, benefício alcançado pela defensoria pública, que ajudou a reduzir o tempo de cadeia de 18 para 12 anos.
Depois de passar para o regime semiaberto, onde trabalhava durante o dia e voltava para o presídio em seguida, ela teve direito então ao benefício da liberdade condicional. Assim, cinco anos depois de Daniela ter sido presa, a esteticista foi a primeira pessoa a receber a notícia de que a irmã havia acabado de deixar a prisão. Ela estava em São Paulo, quando o telefone tocou. Era Daniela quem estava do outro lado da linha. Assim que saiu do presídio, no dia 4 de abril último, ela pediu um telefone emprestado a um mototaxista para fazer a ligação.
Daniela: ‘Fiquei três dias chorando esperando que ela saísse’ — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
— Estava em casa quando meu telefone tocou. Minha companheira, que é advogada, já havia me falado que minha irmã estava para sair. Fiquei ansiosa. Fiquei três dias chorando esperando que ela saísse. Quando o telefone tocou e ela falou comigo, chorei bastante. Na hora passou um filme de tudo o que aconteceu. Nossa família é muita unida. Somos dez irmãos. Eu já conheci o sistema. Fiquei 11 dias presa. Imagine as dificuldades que minha irmã passou lá ficando presa este tempo todo — disse a esteticista que, por telefone, pediu um aplicativo para levar a irmã até Magé.
As lembranças do cárcere ainda continuam vivas na memória da auxiliar de serviços gerais. Segundo ela relata, por conta de problemas de insônia e depressão, passou a maioria do tempo na cadeia sem conseguir dormir durante os períodos noturnos.
— Fiquei sofrendo de insônia e depressão. A maior parte das vezes foi assim, trocando o dia pela noite. Tinha pesadelos. Cheguei a ter vontade de morrer — disse.
O que levou Daniela para prisão foi a participação dela em dois assaltos ocorridos, em 2018, em duas lojas de telefonia celular, em Duque de Caxias. Num deles, em junho do mesmo ano, segundo investigações policiais, ela e outras pessoas levaram dois notebooks e 38 de celulares de uma loja. A ação foi flagrada por uma câmera de segurança. Foi através desta imagem que a polícia chegou a Daniela, depois de desfeito o engano com a irmã Danielle. Daniela Silva Estevão disse que estar arrependida dos crimes. Ela alega que quando praticou os delitos sob efeito de cocaína. Ela afirma ainda que largou o vício que quase a matou.
— Se pudesse voltar no tempo teria feito tudo diferente. Tinha umas amizades. Me envolvi com pessoas que estavam acostumadas a fazer (roubos). Quando vi, estava enrolada. Fiz por amizade errada. Era usuária de cocaína. Estava sob efeito da droga quando os assaltos aconteceram. Na hora, drogada, senti só adrenalina, depois fiquei com muito medo. Hoje me arrependo de tudo. Paguei um preço alto por tudo o que aconteceu. Foi necessário ficar presa, passar por tudo que passei. Se continuasse na droga estaria morta. No tempo que fiquei presa perdi muita coisa. Entre elas o crescimento do meu filho que tinha só 2 anos. O pior de tudo foi a morte do meu pai em 2022. Como eu não poderia ir ao enterro, só me contaram muito tempo depois. Meu pai era tudo para mim. Não me despedir dele foi muito difícil — disse.
A lembrança do pai dá forças para a auxiliar de serviços gerais tentar retornar a vida que levava antes de ser presa. Ela pretende voltar a estudar, já que cursava o primeiro ano do ensino médio quando se envolveu com o crime. Em seus planos, está ainda fazer cursos e seguir a profissão do pai, que era protético. Atualmente, Daniela trabalha numa empresa que emprega ex-detentos, que fica em Copacabana, na Zona Sul. Para chegar mais rápido ao trabalho, ela mudou com uma amiga para um bairro próximo ao Centro do Rio. Em sua rotina diária está acordar diariamente às 4h30. Após um banho e um café, ela segue para pegar um ônibus, já por volta das 6h. Uma hora depois, por volta das 7h, já está no local, apesar da jornada começar apenas às 8h. Por volta das 17h, a jornada termina e ela e faz o caminho de retorno ao lar.
Nesta quinta-feira, Daniela lembrou como foi reencontrar a família e o filho, coisa que só podia fazer quando tinha autorização de visita ao lar, em períodos como natal e dia das mães.
— Quando cheguei, meu filho me falou, mãe, você não vai mais embora, né? Tive que chorar. Depois, abracei minha mãe e chorei de novo — concluiu.
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