Violência contras advogadas revela proteção ineficiente da OAB
Simbolicamente, durante o mês de março, diversos casos graves de violência de gênero foram experienciados por mulheres advogadas. Casos gravíssimos que mereceriam uma resposta institucional forte e assertiva. O tema foi objeto de discussão na última sessão do Conselho Federal, e um grupo de trabalho foi destacado para criar um protocolo de ações de enfrentamento à violência contra as advogadas. Contudo, o instrumento pode restar como algo simbólico, caso não haja na estrutura um órgão responsável por tutelar a aplicação do referido protocolo.
Diante disso, propomos a criação de uma Procuradoria de Proteção à Mulher Advogada, a ser composta pela presidente da Comissão da Mulher Advogada, pelo(a) presidente do Conselho Federal, por membros da Ouvidoria, Comissão de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Comissão de Direitos Humanos e Comissão de Promoção da Igualdade. O órgão, sendo composto por pessoas que ocupem espaços de liderança, contará com a força institucional necessária e o empenho, individual e coletivo, daqueles que serão responsáveis por receber e dar o devido encaminhamento às denúncias.
Os exemplos de violências demonstram que a inércia e a falta de acolhimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) podem gerar danos irreparáveis à vítima. Um dos mais tristes foi a situação gravíssima pela qual a Dra. Bruna Hollanda passou, ao ver-se obrigada a narrar publicamente a violência sexual sofrida, visto que não recebeu o acolhimento institucional necessário, nenhum suporte ou a adoção de medidas cabíveis. A vítima acabou renunciando ao cargo de conselheira da OAB/SE e foi revitimizada ao publicizar o trauma por que passou.
Outro fato inaceitável ocorreu com a Dra. Marília Gabriela Gil Brambilla que durante o plenário de um tribunal do júri foi chamada de feia pelo promotor de Justiça Douglas Chegury. O fato ensejou a interrupção do júri e, posteriormente, várias manifestações de apoio à colega.
Em Roraima, a vice-presidente da OAB, Dra. Caroline Cattaneo, sofreu violência institucional quando o então presidente, Dr. Ednaldo Gomes Vidal, negando dispositivos legais e o pleito eleitoral, nomeou outra advogada para representá-lo, inobservando a ordem natural de ocupação do espaço.
Esses fatos também se conectam com o lamentável episódio ocorrido na Conferência Nacional da Mulher Advogada, evento voltado às advogadas, mas que, contudo, uma parcela muito expressiva delas foi desrespeitada e desprestigiada por uma das palestrantes. Escolher alguém que se posiciona de forma abertamente machista, ignorando que o machismo é o elo que sustenta a violência de gênero, foi erro crasso da organização.
Em razão de tantos episódios lamentáveis, é urgente construir um espaço de atuação institucional em prol das advogadas vítimas de violência. A criação de uma ouvidoria eficiente e bem estruturada de apoio à advogada terá o escopo de solidificar os espaços de pertencimento e dignidade da mulher. Um órgão forte que ofereça o suporte necessário às vítimas e uma resposta institucional firme, isso sim estará à altura do peso da Ordem dos Advogados do Brasil, que não pode mais continuar restringindo-se às simbólicas notas de apoio e repúdio em relação a temas que requerem ações concretas.
Teremos um processo administrativo padronizado?
No início da década de 2010, quando crescia a campanha para digitalizar o processo judicial, uma grande pergunta pairava: o que fazer com os milhões de processos judiciais em curso?
Alguns tribunais decidiram cruzar de vez a fronteira e digitalizar todos os papéis, mas logo se depararam com um problema grave: digitalizar cada folha de cada processo custaria caro.
Os tribunais em sua maioria optaram por ter novos processos eletrônicos e digitalizar o arquivo físico aos poucos. Logo depois, os tribunais começaram outra disputa. Cada tribunal tinha adotado a sua solução tecnológica e tinha construído seu sistema de forma independente.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez esforços para unificar todos os tribunais no mesmo sistema (conhecido como PJe).
Há mais de uma década tribunais permanecem resistindo a essas iniciativas de unificação, sem solução clara para o futuro. Padronizar processo judicial era simples perto do processo administrativo.
Um processo judicial é mais ou menos parecido com o outro. Ele começa com um pedido do autor e termina com uma sentença. Pode ter recursos no meio, mas sempre acaba com um acórdão do tribunal. Os usuários são sempre os mesmos (juiz, partes e Ministério Público; às vezes, peritos e terceiros) e o Código de Processo Civil é uma lei federal, que exige as mesmas regras, prazos e condições no Brasil inteiro, com algumas regras menos relevantes definidas pelos estados.
Durante a pandemia de covid-19, as administrações públicas começaram a aderir ao processo eletrônico.
O Sistema Eletrônico de Informações (SEI) ganhou espaço e aumentou a transparência com o acesso público on-line a documentos. O SEI substituiu o papel, mas não simplificou a gestão dos processos.
Processos administrativos são variados. Podem ser multas da CVM contra uma empresa que não divulgou informações ao mercado corretamente, proposta de Portaria do Ministério do Meio Ambiente que precisa passar por várias discussões e por consulta pública. Pode ser uma licitação de uma concessão, com diversos órgãos alterando os documentos, pareceres de várias áreas técnicas até o leilão e a assinatura do contrato, ou pode ser também um reconhecimento de direitos de moradia para pessoas vulneráveis. Cada processo administrativo deste tem um fim e passa por diversas fases.
Seria importante ter dados de todos os processos do mesmo tipo, mas costumamos ver processos mal qualificados no SEI. Começam em ofícios avulsos (por exemplo recebido do Ministério Público) e terminam nas respostas aos ofícios, sem considerar o grande processo por trás (uma licitação, uma nova portaria, por exemplo).
Alguns processos relevantes ficam às vezes escondidos em tipos como recebimento de ofício. Não existe um só processo administrativo, ele pode ter muitos objetivos; não existe um marco inicial e um marco final para o processo administrativo e pior, não existe uma lei única federal do processo administrativo, cada estado e município pode ter a sua, com regras, prazos e condições diferentes.
Por isso, nos surpreende o Poder Executivo iniciar um programa para promover a adoção do Processo Eletrônico nas administrações estaduais e municipais (Decreto 11.946/24).
O programa parece funcionar por adesão e por soluções customizadas.
Ter uma tecnologia de processo administrativo adotada em todos os estados e municípios seria louvável. Nós, cidadãos, iríamos finalmente saber os reais números da administração pública.
Mas talvez o país tenha criado barreiras constitucionais e legais para essa padronização que vão inviabilizar o programa.
Torcemos daqui que este processo de padronizar processos administrativos tenha início, meio e fim e que seja bem-sucedido.