Visitando o passado: espaços analógicos ainda encantam Brasília

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Visitando o passado: espaços analógicos ainda encantam Brasília

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abr,2024

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Muito antes de o mundo ser tão tecnológico quanto agora, algumas formas de entretenimento aconteciam de modos diferentes. Hoje, na palma da mão, é possível assistir a um filme em uma plataforma de streaming, dar play naquela música favorita ou jogar no celular enquanto a comida não fica pronta. No passado, para tudo isso ser feito, era necessário sair de casa e ir em um lugar específico. Locadoras de filmes, fliperamas e muito mais. Talvez a vida já não seja a mesma como em outros tempos, mas há resquícios dela em alguns espaços.

Ainda existem pontos no Distrito Federal que, de alguma maneira, conseguem transmitir aquela sensação nostálgica de visitar certos ambientes. Como se esquecer daquelas fileiras nos corredores com os sucessos do cinema lançados recentemente? Ou de comprar aquela fichinha e jogar com um amigo Street Fighter, Pinball e Mortal Kombat II?

A internet, de fato, aproximou e conectou pessoas e propósitos. No entanto, lembrar-se de como tudo começou é resgatar uma época que não volta. Para muitos, o universo virtual facilitou o processo, afinal de contas, é possível se divertir com alguém que está do outro lado do mundo. Entretanto, em especial para os mais velhos, se desconectar um pouco dessa realidade é um caminho para se desgarrar tanto das telas e buscar curtição em atalhos já conhecidos. Hoje, na Revista do Correio, apresentamos histórias de um passado que ainda se mantém vivo no presente.

Com inúmeras possibilidades para prender-se em produções audiovisuais, aqueles que gostam de séries e filmes praticamente não sabem por onde começar a assistir, já que as opções, atualmente, são imensas. No século passado, as alternativas eram escassas e concentravam-se, somente, nas idas ao cinema. Mas foi em meados da década de 1970 que tudo mudou. Na cidade de Kassel, na Alemanha, a primeira locadora de filmes foi aberta, com fitas do tipo Super-8, produzidas pela primeira vez em 1965.

Nos Estados Unidos, em 1977, as videolocadoras davam seus passos iniciais, em Los Angeles. No mesmo ano, em São Paulo, o primeiro estabelecimento comercial, chamado Disk Filmes, também surgia. De início, elas foram arrasadoras, uma vez que o acervo para entretenimento do cliente era gigantesco e só encontrado dentro das lojas. Vídeos, programas de televisão gravados e muito mais.

Décadas depois, com o boom das plataformas de streaming, a extinção das locadoras era quase que iminente. Mas, na verdade, a dificuldade com os aluguéis de filmes começou antes, com a venda de televisões a cabo e, ainda, com a concorrência da pirataria. Em alguns lugares do mundo, muitas decretaram falência, como a poderosa Blockbuster LLC. Entretanto, aqui no Distrito Federal, existe, possivelmente, uma das únicas videolocadoras da capital do país — talvez, quem sabe, até do Brasil.

Uma história que resiste ao tempo. Criada há 32 anos, a C&S Video Locadora permanece de pé, na quadra 1401 do Cruzeiro Novo. Francisco Carlos Pimentel, 63 anos, é o fundador do estabelecimento. De acordo com ele, foi uma das primeiras lojas de locação da capital. Quando decidiu montar o negócio, trabalhava como motoboy em uma empresa. Contudo, queria algo além da então profissão.

“O salário era pouco, e inventei alguma coisa para que pudesse trabalhar. Sempre gostei de filmes, lá em casa eu tenho um quarto que é igual a uma locadora”, detalha Francisco. Em um determinado período, o dono da loja relembra que a briga para reservar os filmes era certa. Poucas cópias para muitos clientes, funcionários aos montes e uma ascensão meteórica. No princípio, Francisco quase não dava conta da quantidade de consumidores que compareciam à locadora diariamente. “Era uma loucura, foi um tempo muito bom”, complementa.

Embora determinados anos na C&S Video Locadora tenham sido muito bons, em algum momento, claro, as vendas foram caindo. Com o avanço da tecnologia e a extinção de outras lojas, o negócio para reserva de filmes tornou-se uma realidade difícil. Todavia, Francisco relata que a procura, de uma hora para outra, começou a aumentar. Nostalgia, clássicos perdidos ou simplesmente paixão. Não é como já foi um dia, mas voltou a melhorar.

“Aqui, eu tenho mais de 10 mil filmes. Tem para todo lado, nas gavetas, debaixo do balcão, em todos os lugares”, conta aos risos. A produção mais antiga, possivelmente, ele nem consegue dizer. Obras cinematográficas da década de 1930, incluindo um dos primeiros filmes do popular Tarzan e o querido Casablanca, um grande sucesso do cinema. Um montante dividido entre DVDs, fitas cassete e VHS. E não se engane, além das antiguidades, Francisco permanece atualizado. Vingadores, Homem-Aranha e muitos outros populares do audiovisual contemporâneo podem ser encontrados na loja, em versões Blu Ray e 4K.

Embora as locadoras já não sejam tão procuradas como no passado, a paixão pelo estabelecimento não dá vontade de fechá-lo. Esse pensamento aparece algumas vezes, como Francisco relata. Entretanto, nunca conseguiu concretizar esse desejo, um tanto quanto pequeno quando comparado ao amor que criou pelas fileiras e pôsteres de filmes colados nas paredes envelhecidas pelo tempo.

Afinal, a C&S Video Locadora resistiu e parece que seguirá assim na companhia do dono. “Sei que não vai ser mais normal. Mas as pessoas continuam vindo, fazem o cadastro do cliente, alugam os filmes. Esse trabalho aqui é o meu forte. Larguei meu outro emprego para montar tudo isso. Não posso abandonar, ninguém vai deixar. Não posso dizer que nunca, mas eu sou apaixonado.”

20/03/2024 Crédito: Carlos Vieira CB/DA Press. Brasília DF. Revista. Vida analógica. Francisco Carlos Pimentel, dono de locadora de vídeos.

Depois de um dia estressante de trabalho ou daquela aula cansativa na faculdade, chegar em casa, ligar o console e pegar o controle para jogar videogame é praticamente parte da rotina de muita gente. No século passado, porém, essa realidade era um pouco diferente. Precursor dos consoles de mesa, o Super Nintendo, possivelmente, foi aquele que modificou um cenário recém-nascido, em 1991.

Com a chegada do PlayStation 1, em meados de 1994, o que se entendia por jogos alterou toda a compreensão global da indústria. Nos anos 2000, a febre do PlayStation 2 chegou a diversos lares e foi, sem sombra de dúvidas, um dos consoles mais populares de toda a história. Mas, para entender um pouco desse sucesso, é necessário resgatar o passado em uma viagem no tempo. Afinal, houve aqueles que chegaram primeiro para pavimentar essa estrada e apontar a direção correta para a produção de jogos.

Na Califórnia, em 1970, a primeira máquina de fliperama surgiu como uma grande novidade, com o intuito de entreter e proporcionar lazer. Como era de se esperar, seu nascimento foi um sucesso e tanto. Elas eram encontradas em estabelecimentos e, para utilizar, fazia-se necessário a compra de uma ficha. Durante muitos anos, Fliperama, Arcade e Pinball eram a sensação do momento. Street Fighter, Metal Slug, Jurassic Park e Pac-Man fazem parte da vida de muitas pessoas, usuárias assíduas de um tempo que ficou para trás.

Hoje, com o boom dos consoles, computadores gamers e jogos para celular, esse cenário ficou de lado. Mas, em Brasília, existe um lugar onde a nostalgia pode ser resgatada. E talvez um pouco mais do que isso, uma forma de se teletransportar para outro lugar do mundo. Assim é a Get-N-Go, hamburgueria idealizada por Lindemberg Pinto, 36, localizada na 702/703 da Asa Norte. A ideia inicial era proporcionar experiência, além de serviço. “Hambúrguer qualquer um pode fazer. Queríamos algo diferente de fast foods já renomados”, comenta.

A estética do espaço baseada em séries e filmes norte-americanos também era uma espécie de projeto pensado por Lindemberg. A iluminação, a bancada e os quadros expostos pelas paredes ilustram bem a concretização desse sonho. As cores e um conceito meio Stranger Things de ser — produção original da Netflix — contribuem, ainda, para o que o dono da loja conceituava.

“Criamos o estabelecimento há quase dois anos. Queríamos uma hamburgueria que trouxesse um pouco da origem dos hambúrgueres americanos da década de 1950 até 1970. Trazer, também, uma experiência com o produto, algo que tivesse mais acessibilidade e fosse mais em conta, além do dinheiro. Uma qualidade diferente”, ressalta o proprietário.

Para Lindemberg, fã de jogos desde a infância, a inserção das máquinas caiu como uma luva. Enquanto as pessoas esperam pelo lanche, podem jogar, curtir e se divertir com amigos e familiares. O foco, segundo ele, era trazer games que foram sucesso no passado, mas que continuam na memória afetiva dos usuários. “Vir aqui é uma maneira de fugir um pouco das telas, do mundo virtual. É quase um evento estar na Get-N-Go com as pessoas que você gosta”, acrescenta.

Arcade, Fliperama e Pinball. Centenas de jogos, desde os mais conhecidos até aqueles que só os mais amantes conseguem reconhecer. O público que mais gosta de marcar presença na hamburgueria, certamente, está entre os 40 e 50 anos. Mas eles sempre estão na companhia dos mais novos, sejam filhos, sejam sobrinhos, que adoram fazer parte de uma época da qual nem chegaram a participar. Recentemente, inclusive, a loja virou sede para campeonato de games. Algo que, no futuro, Lindemberg deseja repetir.

Além disso, graças ao cenário e ao visual estético singular, as luzes e as cores do estabelecimento chamaram atenção para a realização de produções audiovisuais com marcas de renome. Uma cena, para uma próxima série da Netflix, foi gravada no espaço, de acordo com Lindemberg. “Uma vez fizeram um clipe aqui, foi superlegal. Agora, estamos nos preparando para expandir, quem sabe ir para outra cidade e virar franquia. Estamos atraindo muitas pessoas, adultos, adolescentes e crianças. É um sucesso.”

20/03/2024 Crédito: Carlos Vieira CB/DA Press. Brasília DF. Revista. Vida analógica. Lindemberg Pinto, dono de hamburgueria com fliperama.

Se o assunto é diversão com jogos, as noites em família com os tabuleiros são sempre muito especiais. Quem nunca se reuniu com amigos para desfrutar de um Jogo da Vida, Monopoly, Banco Imobiliário ou xadrez, que atire a primeira pedra. Mas, para quem não consegue fazer isso em casa, com frequência, ou quem deseja sair para curtir, o Distrito Federal tem lugares aconchegantes para receber pessoas e inaugurar bons momentos.

O Carcassonne Pub (@carcassonnepub) é um destes espaços famosos do quadradinho. Inicialmente, ele foi criado em 2013, na antiga loja da 203 Norte, após uma viagem que os proprietários fizeram para a Europa. Segundo Gabriel Francisco de Oliveira, 27 anos, gerente da loja, o estabelecimento, em seguida, mudou-se para a 407 Norte, em busca de melhor atendimento interno e externo, mantendo a inspiração medieval que originou a criação.

“A inspiração para o nome é dupla — o jogo de tabuleiro, Carcassonne, e a cidade medieval francesa, de mesmo nome. O jogo de tabuleiro traz uma experiência única, que é reunir amigos e famílias com o foco no presencial, fugindo um pouco do digital. Além de toda a questão lúdica, com as diversas mecânicas e estratégias presentes, é a chance de se entreter por horas e esquecer do celular e das notificações constantes”, detalha Gabriel.

Os primeiros jogos de tabuleiro são bem mais antigos do que muitos imaginam. Registros apontam uma data inicial para o surgimento entre 5.000 e 7.000 antes de Cristo (a.C.). Povos daquela época acreditavam que, jogando, poderiam garantir uma forma de diversão eterna. No Carcassone, esse ideal não é muito diferente.

Gabriel afirma que o local foi pensado para ser uma espécie de casa, um lugar em que as pessoas se sentissem confortáveis. “Tanto para aqueles que estão iniciando nos jogos de tabuleiro, e têm como referência os clássicos nacionais, como Banco Imobiliário e Imagem e Ação, quanto para aqueles que já estão por dentro e procuram novos títulos, como Azul, Ticket to Ride, Quartz”, completa o gerente.

O retorno, até aqui, tem sido extremamente positivo. Para Gabriel, é gratificante ser uma porta de entrada para um hobby querido e aclamado, ainda aliado com a cozinha e o bar, que consegue oferecer um programa único comparado com outros bares e restaurantes da cidade. “Por estarmos próximos da UnB, uma fatia grande do público é de jovens, estudantes, mas atendemos muitas famílias e pessoas que foram crescendo conosco, e continuam assíduos.”

O Carcassonne está em seu 11° ano de funcionamento, e também sempre tentando trazer novas experiências. “Hoje, temos mais de 150 jogos disponíveis na casa, e estamos retornando com as noites temáticas, como Carcassonne Quiz, uma noite de Trivia, e trabalhando para iniciar as noites de RPG”, conclui.

O público jovem é um dos mais assíduos do espaço

Apenas um play é suficiente para ouvir aquela música favorita. E isso em diversas plataformas disponíveis pela internet. Hoje, com a febre do Spotify, ouvir uma canção está longe de ser como em tempos passados. Sua forma de consumo também mudou, já que um álbum ou single pode ser escutado em qualquer lugar, desde que você tenha o aplicativo baixado no celular.

Antes, porém, não era assim que as coisas funcionavam, muito pelo contrário. Para apreciar uma música, muitos precisavam gravá-la em uma fita, daquelas estilo K7, para assim escutar em um aparelho conhecido como walkman, muito famoso na década de 1980 em diante. Outro formato, talvez o mais popular entre eles, são os discos de vinil, que até viraram itens de coleção nos dias atuais.

Um conceito vintage, que abriga o retrô e a antiguidade. Assim é a Marcondes&Co Discos (@marcondesandco), loja dos irmãos João, 45 anos, e Gustavo Marcondes, 48, localizada na 116 Sul. Os dois trabalham com discos há muito tempo, nas famosas feiras de vinil que aconteciam em Brasília. “Crescemos em um ambiente de colecionismo em nossa família, com centenas de livros, discos e filmes à nossa volta”, diz João.

Ambos gostam de todos os estilos musicais. A loja reserva nas estantes e gavetas acervos clássicos e contemporâneos, de todos os gêneros, do rock ao jazz, da MPB até a música latino-americana. Tem sertanejo, erudito e outros ritmos que fazem sucesso em todas as gerações. De acordo com João, ainda que os streamings tenham mudado a forma de consumo da música, o mercado de vinis continua bem aquecido.

Isso, por incrível que pareça, se deve à chegada do público jovem ao mercado, já que eles descobriram a emoção de ter discos físicos dos seus ídolos, com fotos, textos e letras de músicas. “Não à toa artistas pop como Taylor Swift e Beyoncé, entre tantos outros, são recordes de venda em vinil”, afirma Gustavo.

Para os irmãos, o crescimento nas vendas e a busca pelo vinil não são só afeto ou nostalgia, mas, também, qualidade na hora de ouvir música. “Streaming, Spotify e afins são uma pálida experiência se comparada a parar tudo, acionar uma vitrola, e ouvir um disco com seu encarte”, comenta.

A Marcondes&Co Discos conta com um montante de quase 8 mil discos, incluindo os milhares no garimpo — em seções promocionais a R$ 5 — até as raridades e os mais desejados pelos amantes desse universo. “Já encontramos e vendemos os originais considerados mais raros do Brasil. Como o Paebiru, de Zé Ramalho e Lula Côrtes. E o Rosa de sangue, do mesmo Lula Côrtes, discos na casa das dezenas de milhares de reais”, destaca João. A loja tem pouco mais de quatro anos de existência e continua vidrada em apresentar o passado a um mundo imerso em tanto presente e futuro.

A arte, certamente, é o que move esses dois irmãos apaixonados por tudo o que fazem. Livros, CDs e DVDs fazem parte do vasto catálogo que apresentam na loja. Não é somente sobre os discos, mas toda a cultura que move e fomenta um afeto único pela nostalgia e pela vida vintage.

“Filmes, literatura e muito mais. As pessoas vão para sentir esse ambiente, que lembra hábitos antigos. Elas querem escolher um disco na hora, fora a vantagem em relação ao on-line, em que você compra o produto, mas não o vê. Ir a uma loja se divertir é um hábito vintage.”

João (óculos e barba) e Gustavo segurando um dos discos mais raros do Brasil, Rosa de Sangue, de Lula Côrtes

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